Casualmente, como em todas as coisas que surgem na nossa vida, deparei-me com um
post num blog que falava sobre a vergonha que se passa com os professores das Actividades de Enriquecimento Curricular (AEC). Como parte do pacote, identifiquei-me com o que ali era dito. Mas, acho que faltavam ainda alguns detalhes sobre a realidade das mesmas.
Comecemos então pelo início, pois o texto vai ser longo.
Supostamente, as AEC deveriam iniciar com o início das aulas regulares. No primeiro dia de aulas os alunos deveriam ser acolhidos por uma realidade composta por aulas regulares e AEC. Mas, em muitas autarquias as AEC arrancam tarde. No caso de outras, extremamente tarde. Sei de uma escola que este ano que arrancou 1 mês e meio depois do início das aulas. E devem existir mais casos.
Depois, assume-se que todos os professores contratados são efectivamente profissionais competentes. Errado. Animadores, 12.º anos com Cursos Profissionais, Designers, Educadores Sociais entre outros. E claro, os pobres como eu que efectivamente são professores, que entram também nesta categoria.
Ora, se existem 40000 professores no desemprego, porque é que não existem só professores a leccionar as AEC? A resposta é a mais simples de todas. O que é pago, as condições de trabalho e os horários atribuídos. Vamos por partes.
As AEC exigem recibos verdes. Recibos verdes significam precariedade e nenhuma regalia social. Aliás, significam mesmo que as regalias se tornam em pesadelos. Porque a Segurança Social é paga pelo próprio, porque o estado entende que um professor a recibos verdes é um profissional por conta própria (mesmo quando é o estado o seu principal e único empregador na sua área).
Para além dos recibos verdes, temos a questão do pagamento. O pagamento é feito por hora. Desde os míseros 4 euros por hora até aos 17 euros. Não existe nenhuma obrigação estatal para que se pague um valor certo (embora o Ministério tenha aventado entre os 10 e os 12, sem nunca ter feito pressão nesse sentido). Considerando que as AEC são pagas por aluno, cada turma vale muito dinheiro. Mas, ao que parece numa conta rápida, muito dele nunca chega a quem verdadeiramente trabalha nas escolas. Onde fica este dinheiro? Em empresas privadas que viram nestas actividades uma boa maneira de ganhar dinheiro, em autarquias gananciosas…escolham o alvo.
Por último, a questão dos horários. Existem horários que vão desde as 6 horas até às 24 horas. Se somos pagos à hora, os horários decidem o quanto ganhamos por mês. E um baixo horário significa um baixo salário.
Consideremos então o seguinte. Um professor a recibos verdes que trabalhe 3 horas por dia, 15 por semana, a 8 euros por hora poderá, num mês de 21 dias úteis, ganhar 504 euros. Pagamos a Segurança Social (50 euros) e ficamos com 454 euros de salário. Mas, o problema são os feriados, as greves, os meses sem 21 dias úteis e os meses de férias. Em Dezembro trabalhamos 10 dias. Recebemos 240 euros. Pagamos a Segurança Social. 190 euros.
Isto claro sem contar com aqueles que têm de se mover de carro para as inúmeras escolas onde leccionam (chegam a ser uma diferente por turma). E muitos não ganham para as deslocações ou recebem 30% das mesmas no melhor dos casos. Existem também professores que ganham Subsídios de Alimentação (30%) e Subsídio de Assiduidade (1 euro por aula, desde que não se falte a uma única aula por período).
Chegamos ao mês de Julho. E são três meses que não recebemos. Não temos direito a Subsídio de Desemprego. E procuramos os piores trabalhos possíveis para sobreviver.
Então, porque raio é que nos metemos nisto? Temos sempre o tempo de serviço para efeitos de concurso. Pois…
Eu dei no ano anterior 10 meses de aulas. Uma média de 50 aulas por mês. O problema é que como são aulas de 45 minutos, não estamos a falar de horas mas sim de uma larga equação a ser feita. Em 10 meses de aulas, a trabalhar todos os dias, fico com cerca de 75 dias de serviço. Isto sem contar com os exames que o Ministério está a propor que podem acabar com todo o meu esforço de 3 anos nas AEC.
A culpa de tudo isto não é de quem lecciona as AEC, das empresas que ganham dinheiro com isto, das autarquias, das escolas, dos agrupamentos, do povo. A culpa é do Ministério da Educação. Porque na sua senda de mostrar trabalho entregou o ensino aos bichos. Em vez de promover concursos para professores, entrega a responsabilidade às autarquias. Em vez de se certificar que os mesmos profissionais que formou têm condições de trabalho, fecha os olhos a todas as injustiças. Em vez de se certificar que isto é feito para o benefício dos alunos, larga-nos médias e estatísticas em cima. E tudo falha, tudo se afunda…
Para que a verdade seja reposta escrevo este texto. E peço a todos os que o lerem que o divulguem. Para que tudo mude. Porque são os vossos filhos que mais sofrem com tudo isto.